domingo, 14 de outubro de 2012

EMPRESA TEM AVAL DO CARF PARA APROVEITAMENTO DE ÁGIO

Uma indústria do setor automobilístico conseguiu decisão favorável ao aproveitamento de ágio no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que cancelou o auto de infração milionário da Receita Federal. O julgamento vem reforçar os precedentes do órgão, que recentemente, em Turmas diversas, apreciou casos de repercussão como os do Santander, Telemar e Gerdau. 

O caso foi julgado pela 2ª Turma Ordinária, da 2ª Câmara da 1ª Seção do Carf, que ainda não tinha se posicionado sobre o ágio, que resulta em recolhimento menor de impostos. "O aproveitamento do ágio é matéria em voga dentro do Carf e esse foi mais um precedente que reforçou o exame criterioso que o órgão tem feito nesses casos, com a tendência de ser observada a consistência do negócio", afirma a advogada Lígia Regini, sócia da área tributária do Barbosa, Müssnich & Aragão (BM&A) e responsável pelo processo no Carf. 

Porém, ainda não há jurisprudência pacífica no Carf e o impasse segue, pois há decisões favoráveis e desfavoráveis aos contribuintes. "Ainda é cedo para dizermos que há uma tendência do Carf em validar o ágio. Isso só será possível afirmar quando os casos chegarem à Câmara Superior, órgão mais expressivo do Conselho", diz a advogada. Para ela, no Carf há sensibilidade dos conselheiros em analisar a preservação do benefício previsto em lei. 

O Conselho Superior já tem um caso em julgamento, sobre autuação contra o grupo Casa do Pão de Queijo por amortização indevida. O caso foi suspenso por pedido de vista e pode voltar à pauta ainda em outubro. 

O ágio se dá quando uma empresa adquire outra e paga um preço além do valor patrimonial da adquirida. Essa diferença entre o preço pago e o valor patrimonial, o ágio, pode ser aproveitada para dedução no pagamento de Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). 

A discussão envolve o benefício fiscal concedido às empresas no País nos últimos 15 anos. Em 1997, o governo editou a Lei n. 9.532 com a intenção de atrair investidores para as diversas privatizações da época. Segundo a norma ainda em vigor, o ágio é permitido conforme certos requisitos e pode ser amortizado em no mínimo cinco anos da base de cálculos dos tributos. Essa dedução só pode ser feita quando há, entre outros requisitos, a incorporação da nova empresa na compradora e quando o ágio é registrado como despesa no balanço das empresas. Foi o que aconteceu, por exemplo, na compra do Banespa pelo Santander. 

No entanto, a Receita Federal quer acabar com o benefício. Segundo Lígia Regini, já há um movimento para edição de medida provisória (MP) que trata de outros temas tributários em que um dos pontos é o fim do ágio. Não há, porém, previsão para que a MP seja efetivada e o ágio extinto. 

Com isso, a lei de 1997 que permite o ágio segue em vigor. O fisco, porém, tem interpretação restritiva sobre operações com ágio e faz diversas autuações, com cobrança de multa e juros - são cerca de R$ 12 bilhões cobrados de grandes companhias autuadas desde 2010. Gerdau, Santander, Organizações Globo e Telemar são algumas na mira da Receita. 

O fisco questiona aspectos como os laudos que atribuem o valor da companhia e a expectativa de rentabilidade futura do negócio. Além disso, considera inválido o ágio interno, registrado quando são feitas reestruturações societárias dentro do mesmo grupo econômico. Para o fisco, esse ágio sem mudança de controle é artificial e abusivo. 

Os valores discutidos na esfera administrativa são elevados. Segundo a advogada, eles sempre ultrapassam ao menos os R$ 20 milhões. No caso da Gerdau, a empresa conseguiu cancelar cobrança de cerca de R$ 700 milhões, por operações de oito empresas do grupo com ágio interno. Para o Carf, ágio em operação entre empresas do grupo tem a mesma validade do resultante de negócio entre companhias sem vínculo. 

O Santander se livrou de uma cobrança de aproximadamente R$ 4 bilhões, em julgamento em câmara baixa do Carf, primeira instância do órgão. A autuação da Telemar, que adquiriu a Telebrás, é de cerca de R$ 2 bilhões. 

O caso mais recente do Carf, julgado na última quarta-feira (3) envolvia o ágio decorrente de um negócio feito em nível global, com subsidiárias no Brasil. O processo já havia sido designado para julgamento em maio e depois de diversos pedidos de vista, o resultado deixou a relatora, com posição restritiva, vencida. A divergência foi aberta por um conselheiro representante do fisco, seguido por outros cinco. 

Segundo a decisão, a lei está em vigor e não há limitação apenas para casos de privatização. "A consistência da operação e o propósito negocial foram avaliados com muito rigor. Isso porque as operações feitas apenas para gerar ágio são vistas como artificiais e a lei não as comporta", afirma a advogada do BM&A. "Há uma tendência de separar os casos com consistência dos artificiais por meio da análise total da operação e de seus reflexos nas empresas", completa.

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