domingo, 5 de agosto de 2012

ITAÚ QUER DRIBLAR PARCELADO SEM JURO

O Itaú Unibanco foi buscar inspiração no modelo americano de cartão de crédito na tentativa de endereçar dois problemas: a pressão do governo por menores juros bancários e a disseminação do parcelamento das compras sem juros no cartão, que já respondem por mais da metade do volume de gastos com cartões. Mas isso não quer dizer que o banco será seguido pelo restante da indústria, segundo o Valor apurou.

Ontem, o Itaú lançou um novo modelo de cartão de crédito, replicando os plásticos usados pelos bancos nos Estados Unidos. No Brasil, quem não quita a fatura no dia do vencimento começa a pagar juros apenas no dia seguinte. Entre os americanos, o usuário que não honrar as contas vai ver os juros retroagirem até o dia da compra do produto. No Brasil, o banco acaba embutindo esses "até 40 dias sem juros", que podem correr entre a compra e o vencimento da fatura, na taxa cobrada, o que encarece a operação do rotativo. As taxas dos cartões estão entre os maiores de financiamento à pessoa física, junto com os do cheque especial.

Em troca do fim desses dias sem juros, o novo cartão do Itaú, batizado de Itaucard 2.0, vai cobrar juros de 5,99% ao mês, o que representa pelos cálculos do banco uma redução de 50% em cima da taxa média cobrada pela indústria atualmente. Nominalmente, a taxa é menor, mas a questão é saber se ela é compensadora para qualquer cliente.

Outro ponto que o banco quer atacar é o parcelamento sem juros no cartão de crédito, algo perverso para a margem do setor financeiro. O produto é oferecido pelos lojistas, mas quem arca com o risco de crédito caso o cliente não pague a fatura são os bancos, algo que as instituições também embutem nas taxas cobradas. No novo cartão do Itaú, quem não quitar a fatura em dia vai passar a pagar juros retroativos ao dia da compra também sobre as parcelas que ainda não venceram. Hoje, esse consumidor só arca com os encargos do crédito rotativo em cima de cada parcela não paga. Se atrasa uma fatura, as demais parcelas não são consideradas em atraso.

Segundo o vice-presidente de cartões de crédito e varejo da instituição, Márcio Schettini, o parcelamento sem juros representa hoje de 55% a 60% do faturamento total da indústria de cartões, volume estimado em R$ 805,4 bilhões para 2012. Típico do mercado brasileiro, o parcelado sem juros foi criado para substituir o cheque pré-datado e é um dos fatores que impede os bancos de derrubar as taxas cobradas na ponta. O banco não financia a operação, porque só repassa os recursos aos lojistas conforme os clientes pagam as parcelas, mas assume o risco de crédito.

"Os bancos assumem esse risco, de cerca de 60% do volume financiado sem juros. É uma operação de crédito e cobra-se zero por ela", disse. "Por isso, a margem financeira líquida do setor não é muito diferente da observada em outros lugares do mundo."

Com o novo cartão, o Itaú calcula uma renúncia de margem da ordem de 50%, num primeiro momento. Hoje, o banco extrai do segmento um retorno sobre o ativo de 2,5% a 3%. Com o tempo, porém, a ideia é recompor a rentabilidade da área com acréscimos de volume. A intenção é que essa perda, no total, chegue a 30%. Vale lembrar que, com o parcelado sem juros, os bancos têm condições de ganhar em outra frente, na do lojista, com operações de antecipação de recebíveis.

Do saldo atual de crédito em cartões do Itaú, apenas 15% é financiado (em atraso ou fatia que excede o pagamento mínimo). No fim de junho, o banco reportava uma carteira de R$ 36,8 bilhões no segmento. Segundo Fernando Teles, diretor da área de cartões, a intenção é atingir, num horizonte de tempo ainda não dimensionado, fatia semelhante à observada em mercados maduros como o americano, de 75% a 85%.

Schettini esclarece, porém, que não haverá conversão automática da base de cartões, mas que o novo produto será ofertado ostensivamente aos clientes novos e atuais. Em fase piloto em três agências, o banco já emitiu 40 mil cartões 2.0. A campanha com o apresentador Luciano Huck passa a ser veiculada na mídia no dia 9.

Mas como vencer a cultura do parcelado sem juros, herdada do cheque pré-datado e dos tempos da hiperinflação? Schettini diz que essa é uma evolução natural do mercado brasileiro e que tal dilema tem sido alvo de discussões nos fóruns do setor e também junto ao regulador. "Não estamos inventando moda, estamos replicando no Brasil modelos já testados e comprovados."

O novo produto criado pelo banco líder do mercado de cartões não é uma unanimidade dentro da indústria. "Hoje, o mercado não discute a adoção do modelo americano. É um cartão com uma forma de cobrança muito complexa para boa parte da população e que nem sempre é vantajoso", diz o executivo da área de cartões de um banco concorrente. "Só o custo de se explicar isso já é altíssimo."

Cálculos feitos pelo Valor Data mostram que, seguindo a taxa média do rotativo de 12% ao mês, o novo cartão do Itaú só seria vantajoso para consumidores que ficassem mais de 30 dias sem pagar a fatura do plástico. Um consumidor, por exemplo, que efetuasse o pagamento do cartão três dias após seu vencimento, pelo novo cartão pagaria juros de 6,40%, retroagindo à data da compra. Pelos moldes do antigo cartão, o juro seria de 1,14%, equivalente aos três dias da taxa de 12% ao mês.

O modelo aplicado pelo Itaú também acaba com o prazo de até 40 dias de crédito sem juros para as novas compras dos consumidores que já estão no rotativo. Ou seja, quem já começou a pagar juros por uma compra não paga, vai ver a taxa recair também em cima de novas compras feitas. "No fim, efetivamente, a taxa de juros cobrada não é de 5,99% porque o consumidor perde o benefício dos 40 dias sem cobrança, que hoje vale mesmo para quem já está no rotativo", diz o executivo de um banco concorrente.

Para outro executivo de uma empresa concorrente, o restante do mercado deve ficar na plateia, esperando o resultado da ação do Itaú. "O Itaú passa a ser uma espécie de cobaia do mercado. Se não funcionar, ninguém vai copiar."

A recente pressão do governo pela redução dos spreads tem levado os bancos a pensar em mudanças no segmento de cartões de crédito. O parcelamento sem juros, sem dúvida, é um entrave para a redução dos juros. Uma das discussões em torno disso é reduzir o número de parcelas dadas ao consumidor, segundo o Valor apurou.

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