segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LIVRO ELETRÔNICO

O livro está em vertiginosa evolução. Com o desenvolvimento do livro digital (e-book) e o lançamento de eReaders (aparelhos eletrônicos utilizados para a sua leitura, como o Kindle e o iPad), o tradicional livro impresso vem perdendo espaço a passos largos - e já começa a parecer um objeto arcaico.

Frente a esse quadro, questiona-se a inclusão do livro digital no âmbito da imunidade tributária que a Constituição da República confere aos "livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão" (art. 150, VI, d).

Seriam também os livros eletrônicos imunes à incidência de impostos? Ou o fato de a Constituição Federal aludir ao "papel destinado a sua impressão" evidencia que ela pretendeu desonerar apenas os livros impressos, e não os digitais?


Parece-nos evidente que os livros são imunes, independentemente do seu formato, sobretudo porque o texto constitucional não faz diferenciação alguma e o Supremo Tribunal Federal sempre interpretou a imunidade do art. 150, VI, d, da CF à luz da sua finalidade, chegando a estendê-la aos álbuns de figurinhas e às listas telefônicas.

No entanto, a questão merece ser abordada com atenção, pois não há pronunciamento definitivo do STF e, além disso, relevante corrente doutrinária sustenta a posição contrária (cfr., por todos, os artigos de Oswaldo Saraiva Filho, Eurico de Santi, Heleno Torres e Ricardo Lobo Torres, publicados no livro coletivo organizado por Hugo de Brito Machado, intitulado "Imunidade tributária do livro eletrônico").

Pois bem, três fundamentos principais sustentam a imunidade do livro digital.

Primeiro, o e-book constitui uma espécie do gênero livro, que não se singulariza pelo seu conteúdo, mas pela sua forma. É a versão digital dos tradicionais livros impressos, que pode ser adquirida em meio físico (sobretudo em CDs) ou digital, mediante download do seu conteúdo.

É fácil perceber que o e-book é livro na acepção literal da palavra. Não na acepção mais estrita, mas certamente na literal.

Portanto, quando o intérprete reconhece que o livro digital está sob o abrigo da imunidade em questão, ele sequer ingressa na seara da interpretação analógica: limita-se a operar dentro dos estritos limites da exegese literal, que explicita e respeita o conteúdo semântico dos vocábulos utilizados pelo legislador.

Segundo, o livro eletrônico desempenha a mesma função que o impresso, o que evidencia um fato de suma relevância: os mesmos fundamentos jurídicos, políticos, culturais e econômicos que sustentam o art. 150, VI, d, da Constituição da República embasam, com igual força e consistência, a imunidade do livro eletrônico.

Se o constituinte conferiu imunidade aos livros para evitar que o poder destrutivo da tributação perturbe o exercício da liberdade de expressão e pensamento, assegurando que os cidadãos possam manifestar as suas ideias, concepções e opiniões sem ter de arcar com o pesado ônus econômico da tributação, é evidente que a imunidade tem de se projetar aos livros eletrônicos, pois eles também são veículos de comunicação escrita, tão ou mais eficazes que os livros impressos.

Igualmente, se ao estabelecer tal imunidade o constituinte objetivou incentivar o acesso à cultura, à informação e à educação mediante a redução do preço final dos livros, é inequívoco que ela os abrange em todas as suas formas físicas, desde a impressa até a digital.

Terceiro, o reconhecimento da projeção da imunidade ao livro digital baseia-se na consagrada diretriz hermenêutica segundo a qual se deve priorizar a variante interpretativa que propicie a efetividade máxima da Constituição, atualizando-a à evolução social. Não se pode permitir que a efetividade de tão relevante garantia dos cidadãos pereça pelo mero progresso tecnológico, sobretudo quando ele repercute apenas no formato do objeto cultural imune, sem atingir a sua essência.

Esses fundamentos têm encontrado guarida na atenta jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, mas ainda não foram acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal, que vem esboçando uma concepção extremamente restritiva quanto à imunidade das novas modalidades de livros e periódicos.

Dita concepção advém de uma inadequada interpretação literal do art. 150, VI, d, da Constituição Federal, que vincula os objetos culturais desonerados (livros, jornais e periódicos) ao suporte físico em que eles costumavam ser impressos (papel). Argumenta-se que, se o constituinte aludiu ao papel destinado à impressão dos livros, jornais e periódicos, ele somente teria pretendido desonerá-los no seu formato impresso, jamais eletrônico.

Essa linha argumentativa parece sustentar-se em premissas falsas, vendo a imunidade dos livros, jornais e periódicos como um privilégio tributário concedido à indústria gráfica, quando ela constitui uma garantia de todos os cidadãos, que resguarda direitos e liberdades fundamentais, indispensáveis à construção de uma nação culta, civilizada e competitiva.

Deve-se, pois, rever tal posicionamento, a fim de que se respeite não apenas a letra do art. 150, VI, d, da Constituição da República - que concede a imunidade a todos os livros, e não apenas a parcela deles -, mas sobretudo a sua finalidade, de resguardar a liberdade de expressão e de realizar os direitos fundamentais à educação, à informação e à cultura.

Autor: Andrei Pitten Velloso

(Fonte: Carta Forense)

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